Retorno a Jimbocho - Uma Noite na Livraria Morisaki (Zoku Morisaki Shoten no Hibi)

Jimbocho Book Town - Tokyo
Não sou tão religioso quando se trata de sequências; digo, se finalizo o primeiro livro de uma série, não procuro ler o livro seguinte de imediato. Tento absorver o máximo possível da obra e, por vezes, simplesmente sigo lendo um outro livro, até que retorne ao volume seguinte da série que iniciara. Entretanto, dessa vez, decidi dar sequência à duologia da Livraria Morisaki e segui atento à narrativa de Takako.
Uma Noite na Livraria Morisaki é a continuação do livro anterior, Meus Dias na Livraria Morisaki. O livro, por si só, tem um enredo que se sustenta muito bem, pois, ao contrário de obras que não carecem de sequências, essa procura preencher algumas lacunas que a obra anterior não nos revela de antemão — a ausência delas, aliás, não torna a obra menos concisa. É aí, justamente, que temos o ponto de partida da estória: ela se inicia três anos depois dos acontecimentos narrados anteriormente. O cenário do bairro de Jinbocho mantém-se sob as mesmas descrições, bem como a livraria Morisaki; alguns personagens, entretanto, ganham contornos diferentes.
Nossa protagonista agora se observa como uma mulher mais madura. Temos, nessa sequência, uma Takako mais decidida e segura de si, que atualmente trabalha num pequeno escritório de design. Outra mudança envolve a Tia Momoko que, aliás, passou a trabalhar na cozinha de um pequeno restaurante próximo à livraria. Por fim, Tomo já não está mais no café Sabouru; ela conseguiu uma vaga como bibliotecária em uma universidade da região.
Ah, claro, um fato não menos importante: Takako começou a namorar. O eleito é Wada, aquele jovem editor que frequentava o café e por quem ela já nutria um interesse silencioso no livro anterior. O relacionamento dos dois é construído com a mesma sutileza da obra: sem grandes arroubos, mas com um companheirismo genuíno que reflete o novo momento de vida da protagonista, agora capaz de partilhar seus dias com alguém que compreende e respeita o seu amor pelos livros.
Percebemos, também, que nesta sequência Satoshi Yagisawa mantém o mesmo tom lírico adotado na obra anterior. A narrativa não tem pressa; ela se desenrola como um passeio calmo pelas ruas de Jinbocho. A descrição dos cenários, o cheiro dos livros antigos e as pequenas interações cotidianas são tratadas com uma delicadeza quase poética. É uma prosa que, mais do que contar fatos, busca transmitir sensações, reafirmando que a verdadeira beleza dessa duologia reside na simplicidade e na capacidade de encontrar o extraordinário na rotina comum.
Todavia, a beleza de toda narrativa reside, muitas vezes, em seus conflitos, e aqui não poderia ser diferente. Se no primeiro livro o foco central era a desilusão amorosa vivida por Takako, agora a protagonista nos conduz por um arco distinto. Desta vez, o holofote se desloca para iluminar o drama de personagens que antes pareciam secundários, aprofundando o storytelling de suas vidas pessoais e revelando camadas que, até então, nos eram desconhecidas.
O foco maior, desta vez, reside na Tia Momoko. Revela-se, agora, que muitos dos silêncios presentes na narrativa anterior — especialmente quando se tocava no assunto de sua longa ausência — não eram mero capricho ou mistério. Eles escondiam uma verdade dolorosa: a descoberta de um câncer que já se espalhara silenciosamente, restando, neste momento, muito pouco a ser feito em termos de cura.
É a partir dessa descoberta que a trama se desenrola, trazendo consigo momentos melancólicos e agridoces. Essa virada me fez perceber que a narrativa assume um desenho totalmente diferente daquele da “literatura de cura” que nos fora apresentada anteriormente. Um ponto para Yagisawa, que se mostra criativo ao desenvolver um texto que não receia romper com a calmaria e a escassez de conflitos que marcavam o primeiro livro.
Trocando em miúdos, essa nova trama fala muito acerca da morte. Não vemos isso apenas no drama da Tia Momoko, mas a observamos também na narrativa de Tomo, que perdera sua amada irmã num acidente automobilístico. Esses fatos, embora não tenham conexão direta entre si, acabam por colocar a morte como um personagem coadjuvante — porém onipresente — na estória. Ela exerce uma influência gravitacional sobre todo o texto, transformando a atmosfera leve da livraria em um espaço de reflexão sobre a finitude.
Arrisco dizer que, se utilizarmos aqui uma abordagem estruturalista, podemos afirmar — conforme observa o linguista lituano A.J. Greimas — que a morte funciona como um actante destinador. Para Greimas, o actante é qualquer entidade (seja humana, objeto, animal ou conceito abstrato) que cumpre uma função motriz na estrutura da narrativa. Ao assumir esse papel de destinador, a função da morte aqui talvez vá mais fundo do que a mencionada anteriormente (“personagem secundário”): como um agente ativo, é ela quem impulsiona a ação e acaba por se tornar a responsável pela jornada de cura dos personagens.
Os desfechos subsequentes dispensam grandes complexidades(um relfexo do estilo Iyashikei que o autor adota aqui). O que presenciamos é a trajetória de Momoko encerrando-se de maneira mui singela, processo que acrescenta à personagem nuances e traços pouco exibidos anteriormente. Quanto ao Tio Satoru, como já esperávamos, o vemos sofrer com a partida da esposa. Por ser um personagem tão bem elaborado no livro anterior, seus atos de luto não nos surpreendem — e digo isso como um elogio à sua consistência —, fazendo-nos sentir que o conhecemos tão intimamente quanto a própria Takako.
Definitivamente, não se faz necessária uma terceira obra. Esta sequência cumpre o seu papel em todos os sentidos, entregando finais satisfatórios e desfechos bem desenvolvidos (mesmo que estes não sejam, por assim dizer, os mais felizes). No que tange ao corpo narrativo, Satoshi Yagisawa arrisca-se pouco na forma, mas, ao fazê-lo no conteúdo, demonstra um refinado senso criativo.
Ficha Técnica
Título no Brasil: Uma Noite na Livraria Morisaki
Título Original: Zoku Morisaki Shoten no Hibi (続・森崎書店の日々)
Autor: Satoshi Yagisawa
Tradução: Andrei Cunha
Editora no Brasil: Bertrand Brasil (Grupo Editorial Record)
Ano de Publicação (Original): 2011
Ano de Publicação (Brasil): 2024
Gênero: Ficção Japonesa / Drama / Iyashikei
Número de Páginas: 144 páginas
Formato: Brochura / Digital