Um reencontro com a leitura - Meus Dias na Livraria Morisaki (Morisaki Shoten no Hibi)

Jimbocho Book Town - Tokyo
Houve um período da minha vida em que eu tinha por hábito — e genuíno prazer — ler três ou quatro livros num único mês. Durante a minha transição da adolescência para a vida adulta, isso se tornou um hábito ainda mais intenso, pois ingressara no curso de Letras. Não mais pelo simples prazer, mas agora também por obrigação, eu lia muito mais, enquanto dividia o meu tempo entre os estudos e uma escala 6x1 na Starbucks. Era uma loucura. Com o passar do tempo, acabei por ler bem menos livros, mas nunca deixei a leitura morrer.
Confesso que, neste ano, peguei muito pouco para ler que não fosse literatura cristã (principalmente as obras adventistas). No entanto, fui fisgado na última semana por Meus Dias na Livraria Morisaki, do promissor escritor japonês Satoshi Yagisawa. Há tempos não lia de maneira tão voraz: iniciei a leitura na sexta à tarde e já a findara no sábado, antes do fim do pôr do sol.
A premissa do livro é simples, o que torna a leitura muito prazerosa. Na obra, acompanhamos a jornada de Takako, uma jovem de 25 anos que trabalha numa empresa em Tóquio e mantém um relacionamento com o seu colega de trabalho, Hideaki, há cerca de um ano. Certa noite, ao saírem para jantar, Hideaki diz com a maior naturalidade que irá se casar. O choque de Takako é imediato, mas torna-se devastador quando ele completa a frase: a noiva não é ela, mas sim uma outra colega do escritório com quem ele já se relacionava há muito mais tempo.
Descobrir que, durante todo esse tempo, ela fora apenas “a outra” — uma distração conveniente — desmorona o mundo de Takako. Incapaz de suportar a humilhação de conviver diariamente com o ex e sua futura esposa no ambiente de trabalho, ela pede demissão impulsivamente. Sem emprego, sem amor e sem rumo, Takako mergulha em uma espiral de depressão e apatia, passando os dias a dormir em seu apartamento, até que uma ligação inesperada de seu tio Satoru lhe oferece uma rota de fuga: morar no andar de cima da velha livraria da família, no famoso bairro de Jinbōchō.
Em algum momento, todos nós já estivemos no lugar de Takako. Na verdade, é algo que acontece com muitas pessoas que se deparam com o amor. Num dado momento, ao nos decepcionarmos, tudo o que procuramos — ou precisamos — é de um lugar que nos faça esquecer o que fora vivido anteriormente. Há esse senso de fuga; queremos estar em qualquer lugar que não seja o cenário da decepção. Esses dias, lia uma frase atribuída a Rubem Fonseca que dizia: “se você amou um lugar, não volte para lá” (ou algo assim). E isso é bem verdade. Algumas lembranças só existem como imaginamos, justamente porque as imaginamos assim. Na verdade, quanta coisa do passado idealizamos e que, na realidade, fora totalmente diferente?
O fato é que Takako encontra uma imensa sensação de conforto e paz na livraria Morisaki. Aliás, é lá que ela descobre a paixão pelos livros — algo que nunca tivera, pois ela mesma relata que fora obrigada a ler muito na época da escola e, por isso, não nutria apreço pela literatura. Mas veja: morando acima de uma livraria, que outro destino ela teria senão esse?
Arrisco dizer que esse amadurecimento da personagem fora provocado justamente pelo conforto encontrado nos livros. Mas, claro, não fora somente isso; ali em Jinbocho, ela constrói amizades e se reaproxima do tio que há muito não via, o que lhe traz a segurança de que há vida após uma decepção amorosa. Takako é uma personagem pela qual é fácil se apaixonar. E o mesmo podemos dizer acerca dos outros: para se ter uma ideia da construção feita pelo autor, a estória do tio Satoru e da tia Momoko é um universo à parte, muito bem desenhado, que preenche a trama de uma forma muito bonita.
Meus Dias na Livraria Morisaki definitivamente não é uma obra que se sustenta em tramas cheias de reviravoltas ou dramas excessivos. Longe disso: é uma estória alicerçada numa jornada que muitos de nós já atravessamos anteriormente. Ela é permeada de pessoas boas, bons livros e, sobretudo, café.
Ficha Técnica Título no Brasil: Meus Dias na Livraria Morisaki Título Original: Morisaki Shoten no Hibi (森崎書店の日々) Autor: Satoshi Yagisawa Tradução: Andrei Cunha Editora no Brasil: Bertrand Brasil (Grupo Editorial Record) Ano de Publicação (Original): 2010 Ano de Publicação (Brasil): 2023 Gênero: Ficção Japonesa / Romance de Formação (Iyashikei - “cura”) Número de Páginas: 160 páginas (aproximadamente, varia conforme a edição) Formato: Brochura / Digital