Estação AP42

Por Antonio P. Carvalho

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Honestidade íntima - A Vergonha

Annie Ernaux

Para compreender a dimensão da obra de Ernaux, precisamos primeiro desmistificar esse conceito de “escrita plana” (ou écriture plate, no original). Não se deve confundir “plana” com simplória ou superficial. Imagine que, ao narrar um fato, a autora decida deliberadamente retirar dele qualquer excesso: adjetivos ornamentais, metáforas líricas ou julgamentos morais são descartados. A escrita de Ernaux funciona não como uma pintura impressionista, que busca evocar sentimentos através das cores, mas sim como uma fotografia forense ou um bisturi cirúrgico.

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Pirraça, pernas, perseguição e mais - O Agente Secreto

Reprodução - O Agente Secreto - Kleber Mendonça Filho

Em um diálogo recente com meu pai, ele comentou que os primeiros filmes de Kleber Mendonça Filho (KMF) possuíam um caráter muito autoral — ou, para usar o termo exato dele, “artesanal”. Até aquele momento, eu jamais havia me detido sobre essa característica. Recordei-me, então, de uma entrevista em que o próprio KMF brincava com o fato de sempre lhe perguntarem quem assinava sua direção de arte, ao que ele respondia: “eu mesmo”. Para situar você, caro leitor: a direção de arte é a alma estética de um filme, englobando desde o figurino e os cenários até a paleta de cores da fotografia.

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Mais um monstro para a coleção de Del Toro - Frankenstein

Frankenstein - Netflix

Adaptações cinematográficas de livros já consagrados enfrentam, da minha parte, determinado receio — seja pela expectativa elevada, seja pela inevitável transformação que a obra sofre ao ser transposta para a tela. Guillermo del Toro, contudo, é conhecido por seu imenso talento no que tange ao apuro estético. Há uma marca autoral carregada em seus filmes, notórios não apenas pelo vislumbre visual, mas também pela primazia de seus textos cinematográficos.

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O Universal no Particular - Uma Mulher (Une Femme)

Annie Ernaux - Une Femme

A literatura, quando atrativa — e quando possuidora do idioma que é nativo ao leitor —, tem o poder arrebatador de nos transportar para dentro de nós mesmos, acessando nuances de sentimentos e memórias. Ela acaba por criar uma conexão imediata e visceral, derrubando as fronteiras entre quem escreve e quem lê, transformando o texto em uma conversa silenciosa. Esse efeito torna-se possível, sobretudo, ao se tocar em temas que são universais e caros a muitos de nós. Foi exatamente essa a sensação que tive ao dar sequência às minhas leituras com Annie Ernaux, que agora fala acerca de sua mãe em Uma Mulher.

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A Vida Como Ela É - O Lugar (La Place)

Annie Ernaux - La Place

Reconheço a urgência em escrever em qualquer instância; o mesmo ocorre comigo. Nos últimos dias, li o que Annie Ernaux descreve como socioautobiografia. A leitura escolhida fora O Lugar. No livro, Ernaux narra a trajetória humilde de seu pai, que vivera no interior da França, num cenário pastoril que, para muitos, poderia ser descrito de forma idílica. Todavia, a autora — conhecida por sua “literatura plana” (écriture plate) — nos convida a observar a vida no campo de forma crua, tal como ela é. Ou seja, não há uma romantização desse padrão de vida: o que ela apresenta ao leitor é uma rotina de sobrevivência e produção voltada tanto para o consumo das famílias quanto para o seu sustento.

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Retorno a Jimbocho - Uma Noite na Livraria Morisaki (Zoku Morisaki Shoten no Hibi)

Jimbocho Book Town - Tokyo

Não sou tão religioso quando se trata de sequências; digo, se finalizo o primeiro livro de uma série, não procuro ler o livro seguinte de imediato. Tento absorver o máximo possível da obra e, por vezes, simplesmente sigo lendo um outro livro, até que retorne ao volume seguinte da série que iniciara. Entretanto, dessa vez, decidi dar sequência à duologia da Livraria Morisaki e segui atento à narrativa de Takako.

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Um reencontro com a leitura - Meus Dias na Livraria Morisaki (Morisaki Shoten no Hibi)

Jimbocho Book Town - Tokyo

Houve um período da minha vida em que eu tinha por hábito — e genuíno prazer — ler três ou quatro livros num único mês. Durante a minha transição da adolescência para a vida adulta, isso se tornou um hábito ainda mais intenso, pois ingressara no curso de Letras. Não mais pelo simples prazer, mas agora também por obrigação, eu lia muito mais, enquanto dividia o meu tempo entre os estudos e uma escala 6x1 na Starbucks. Era uma loucura. Com o passar do tempo, acabei por ler bem menos livros, mas nunca deixei a leitura morrer.

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Humanidade e Justiça - Supergirl - Mulher Do Amanhã (Woman of Tomorrow)

Supergil - Woman of Tomorrow- Tom Ellis, Bilquis Evely e Matheus Lopes

Há associações que, por vezes, são indissociáveis; há também, por vezes, as associações que podem ser dissociadas, mas teimam em não ser, seja por vontade própria ou não. Nós já conhecemos e ouvimos falar acerca da estória do Superman por diversas vezes, mas pouco se fala acerca da sua prima, Kara. Estórias de super-heróis têm atraído milhares aos cinemas, às bancas e às livrarias já há algumas dezenas de anos; todas contêm quase sempre a mesma fórmula, e a estória de Kara não seria assim tão diferente. Todavia, dessa vez, deparamo-nos com uma estória que, por tantas vezes, esteve intrinsecamente ligada à estória de outro herói. Como já afirmei acima, podemos associá-la ou não; ao não associarmos, encontramos a estória de uma jovem que também perdera o seu planeta natal, mas isso, entretanto, nos é apresentado de uma perspectiva totalmente diferente da que fora apresentada anteriormente por seu primo.

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Um trabalho de matar – 'No Other Choice'

Cena de No Other Choice

Man-soo é um pai de família que trabalha numa fábrica de papel. Ao longo dos anos, conquistou o respeito de seus colegas e, até então, de seus empregadores. Todavia, tudo isso muda quando a companhia é vendida para uma empresa estrangeira que, tal qual ocorre em Tempos Modernos de Chaplin, tem toda a sua produção mecanizada, reduzindo consideravelmente a necessidade de intervenção humana.

Durante quase uma hora do desenrolar da trama, somos apresentados à sua família e, respectivamente, às suas vidas sociais. Sua esposa pratica tênis e frequenta aulas de dança toda semana; a filha do casal tem aulas de violino; e o filho mais velho, um ponto fora dessa curva, comete pequenos delitos. Ah, há também os dois cães da família. A princípio, eles parecem pouco relevantes à trama central, meros figurantes de um cenário doméstico perfeito. Até então, durante essa primeira hora, isso é tudo o que Park Chan-wook nos apresenta.

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